Contribuição para o SmartEngineering de Sílvia Magalhães, Engenheira Civil e colaboradora da COBA (Brasil)
No passado dia 23 de Novembro foi finalmente aprovada a proposta de revisão do Decreto Nº 73/73, de 28 de Fevereiro, pelo Conselho Directivo Nacional, depois de apresentada a a primeira versão a 14 de Outubro.
Este Decreto regulamentou, durante todos estes anos, a qualificação exigida aos técnicos responsáveis pela execução dos projectos de obras sujeitas a licenciamento municipal. As suas disposições foram sendo aplicadas e referenciadas nos vários regulamentos do sector, nomeadamente o RJUE – Regulamento Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo decreto lei nº 555/99, de 16 de Dezembro e alterado pelo Decreto nº 177/2001, de 4 de Junho.
Na altura, o documento foi um importante marco na sistematização do sector dos projectos e construção de obras civis. Contudo, dada a falta generalizada de técnicos, ao nível nacional, necessários para responder à grande procura que se verificou por essa altura no sector (marcada por um boom na construção), as disposições do diploma eram muito vagas e chegavam mesmo a isentar os projectistas de grau superior como indica o artigo 6 do documento. Hoje, passadas mais de 3 décadas sobre o primeiro diploma, e perante um crescimento do parque habitacional de mais de 20% anual [1], era peremptória a necessidade de se rever o mesmo.
Além disso, a proliferação de cursos oferecidos pelas universidades, e o consequente aumento (quantitativo e qualitativo) dos técnicos, arquitectos e engenheiros, muda totalmente o cenário da década de 70 e obriga a uma maior especificação e clarificação das qualificações necessárias para cada tipo de projecto.
O SATAE (Sindicato dos Agentes Técnicos de Arquitectura e Engenharia) [2], identifica, entre outras, duas grandes lacunas no Decreto de 73:
a)Abrange apenas as obras sujeitas a licenciamento municipal, o que restringe o âmbito de aplicação das normas respeitantes às qualificações habilitantes para a elaboração de projecto, que se pretendiam mais gerais. Em particular refira-se a obra pública, omissa no diploma e cujo interesse público é ainda maior;
b) algumas funções essenciais no processo construtivo não estão reguladas como é o caso do “responsável pela direcção técnica da obra” (director técnico de obra) e o de “fiscal de obra”, consagradas no Regime de Empreitadas de Obras Públicas e referenciadas no RJUE. Outras funções são ambíguas como a autoria das diferentes especialidades, em particular a legitimidade de projectos de arquitectura serem executados por engenheiros civis, como se constata nos artigos:
Artº (Disposições Gerais) 2—Os projectos deverão,(…) ser elaborados e subscritos por arquitectos, engenheiros civis, agentes técnicos de engenharia civil e de minas, construtores civis diplomados ou outros técnicos diplomados em Engenharia ou Arquitectura reconhecidos pelos respectivos organismos profissionais.
Artº 3 (Edifícios) 3—Os projectos de edifícios correntes, e sem exigências especiais, que não excedam quatro pisos acima do nível do arruamento principal e cuja área total de pavimentos não ultrapasse 800 m2, bem como os projectos de alteração e os planos de demolição correntes, poderão ser elaborados e subscritos por construtores civis diplomados.
Artº 3 (Edifícios) 4- É obrigatória a intervenção de arquitectos nos projectos de novos edifícios e nos de alteração em edifícios existentes, que envolvam modificações na sua expressão plástica, nas áreas aprovadas pelo Governo para este efeito, sob proposta das câmaras municipais interessadas.
Sobre este último ponto, desde há muito tempo que os arquitectos reivindicam o seu direito à exclusividade do projecto de arquitectura. No ano transacto, concretamente a 23 de Novembro de 2005, foi apresentado à Assembleia da República, um Projecto de Lei, ao abrigo do direito de iniciativa legislativa de cidadãos, assinado por 36.873 cidadãos, exactamente com essa reivindicação.
Por outro lado, em 2004, a Ordem dos Engenheiros, havia já apresentado ao Ministério das Obras Públicas Transportes e Comunicações (MOPTC) uma proposta de revisão focada na regulamentação da construção, também demasiado vaga no diploma de 73.
Por tudo isto, tornava-se urgente a actualização do referido Decreto, tendo em vista a correcção das lacunas e omissões acima descritas e a definição de um novo enquadramento do sector da construção, que entretanto, havia crescido exponencialmente. Além disso, a própria evolução da sociedade impõe requisitos cada vez mais exímios quanto à qualidade, segurança, conforto e sustentabilidade dos espaços a habitar, tal como a protecção do ambiente e do património arquitectónico contruído.
Assim, perante a aprovação do novo projecto de lei no final deste ano, entramos numa nova era na regulamentação do sector, nomeadamente pelas seguintes evoluções ao antigo documento:
a) Abrangência na sua esfera de aplicação, da qualificação dos técnicos na generalidade da actividade da edificação, tanto de obras particulares como públicas;
b) Regulação, a par da autoria do projecto, das funções de coordenador de projecto, de direcção técnica da obra (fiscalização ou fiscal de obra, na obra pública) e de técnico de obra (director técnico de empreitada, na obra pública), incidindo na qualificação dos técnicos, seus deveres e responsabilidades;
c) Reequacionamento das qualificações dos técnicos relativas à elaboração de um projecto, em função da especificidade e da especialização da sua qualificação, distinguindo e diferenciando as situações em que se encontravam consagradas competências próprias de técnicos das previstas como meramente transitórias;
d) Reconhecimento, na elaboração do projecto, da existência de uma “equipe de projecto”, cuja constituição deverá ser institucionalizada por contrato escrito e seu funcionamento como equipa, tendencialmente multidisciplinar e orientada por um “coordenador de projecto”, responsável por todas as peças escritas e desenhadas;
e) ainda sobre a elaboração do projecto, atribuição das várias componentes, de arquitectura e especialidades de engenharia, a arquitectos e engenheiros ou engenheiros técnicos, respectivamente, prevendo ainda a qualificação de outros técnicos para a elaboração de outras intervenções de menor complexidade e dimensão, como agentes técnicos de arquitectura e engenharia, arquitectos paisagistas e de interiores;
f) regulação das funções de direcção técnica de obra e de técnico de obra, nomeadamente previsão de níveis de capacidade de actuação de acordo com a qualificação dos técnicos e do valor e da complexidade das obras, fazendo apelo ao regime que regula o exercício da actividade de construção (Decreto Lei 12/2004, de 9 de Janeiro)
g) Consagração do dever de assistência técnica a que fica obrigado o coordenador do projecto e autores dos projectos;
h) Obrigatoriedade de celebração de contrato de seguro de responsabilidade social para o desempenho de qualquer das funções reguladas no diploma.
Com isto, espera-se um mercado a funcionar mais equilibradamente, mais justo e eficaz e que preze pelo objectivo último de produzir construções de cada vez maior qualidade e segurança para benefício de todos, isto é, um salto na qualidade da edificação. O meio para se atingir essa meta é, desta forma, a maior responsabilização dos técnicos envolvidos nos actos de projectar e construir, pela clarificação das suas habilitações, responsabilidades e níveis de actuação.
Consultar a Proposta de Revisão aprovada a 23 de Novembro de 2006 com Anexos 1 e 2
Referências:
[1 ] Rodrigues, Duarte; "A Evolução do parque habitacional português: Reflexões para o futuro",Direcção Regional de Lisboa e Vale do Tejo ,Instituto Nacional de Estatística
[2] Sindicato dos Agentes Técnicos de Arquitectura e Engenharia, disponível em http://satae.com/website/ (acedida em 19 de Dezembro de 2006)