quarta-feira, novembro 29, 2006

Autarca de Constância critica "gestão economicista" de barragens

Presidente da Câmara Municipal de Constância, António Mendes (CDU), criticou o sistema de gestão de descargas das barragens, considerando que são feitas "numa óptica meramente economicista".
António Mendes manifestou-se "angustiado e revoltado" face às cheias que afectam a zona ribeirinha de Constância, decorrentes do mau tempo dos últimos dias, lamentando que as descargas da barragem de Castelo de Bode "não tivessem sido feitas gradualmente" desde há duas semanas, altura em que "estava com um nível elevadíssimo de água"."Só quando se chega ao limite da capacidade é que se descarrega", disse o autarca, considerando que, se as descargas tivessem sido graduais ao longo dos dias, a barragem teria agora maior capacidade de retenção de água, o que evitaria eventuais inundações de zonas urbanas."É tudo feito a pensar, apenas, na produção de energia, esquecendo as pessoas e a natureza", desabafou.Segundo António Mendes, as cheias dos últimos dias (hoje ainda se verifica a inundação da zona ribeirinha de Constância) provocaram muitos estragos, devido ao derrube de árvores ou de torres de iluminação pública mas também pelo acumular de muito lixo nas zonas inundadas.Para as reparações imediatas, a Câmara de Constância pediu esta manhã o apoio de militares, esperando que uma equipa de uma dezena de homens se junte aos funcionários da autarquia nos trabalhos de limpeza e remoção de detritos que está a decorrer.O autarca defende a necessidade da realização de trabalhos sob a ponte da A23, que atravessa o Zêzere, "pois os pilares estão mal colocados, com a força da água a bater-lhes, a fazer ricochete e a provocar uma grande erosão nas margens, em terrenos agrícolas"."Este é um problema para o qual andamos há dez anos a chamar a atenção. Era bom que os técnicos viessem ao terreno, para verem como é", disse ainda o autarca.Segundo o Comando Distrital de Operações de Socorro de Santarém, o nível das águas dos rios na região está a baixar, mas ainda se mantêm o isolamento da povoação de Reguengo do Alviela, bem como a submersão das zonas baixas do Arripiado (Chamusca), Barquinha, Cais de Tancos e Constância.
Notícia do Público de 27 de Novembro

4 comentários:

Anónimo disse...

Em relação à notícia transcrita eu gostaria de introduzir alguns esclarecimentos, sem necessariamente assumir uma posição de “a favor” ou “contra”, pois existirão sempre interesses e opiniões divergentes, todos perfeitamente justificáveis, em relação a esta matéria.
Em primeiro lugar é preciso localizar espacialmente a barragem de que se fala. Em concreto está em questão a Barragem de Castelo de Bode, a principal barragem localizada no rio Zêzere, um dos mais importantes afluentes do rio Tejo, com nascente na Serra da Estrela.
Isto leva a duas questões essenciais:
1- trata-se de um rio bastante importante e como tal, uma descarga descontrolada dos principais empreendimentos reguladores do mesmo implica efeitos significativos no rio Tejo e respectivas zonas ribeirinhas, tal como também é referido na notícia;
2- este aproveitamento apesar de realizado e explorado por uma empresa do grupo Energias de Portugal, representa também uma importante origem de Água da EPAL, a empresa de abastecimento de água da Área Metropolitana de Lisboa.
Ou seja, se por um lado a produção de energia eléctrica até poderia constituir uma razão para a ocorrência de descargas graduais (quanto maior o volume turbinado = descarga, maior a produção de energia, dentro das capacidades do equipamento instalado), a necessidade de suprir necessidades bastante importantes para o consumo humano, especialmente depois de um ano de Seca em 2005 em que as principais reservas foram tão afectadas, leva a que se procure o máximo armazenamento possível de modo a prevenir o período mais seco do Verão sem conflitos entre as diferentes utilizações.
Isto muito provavelmente esteve na origem do nível de água mais elevado nos últimos tempos, tal como é feita referência pelo autarca em causa. Todavia, a estes factos acresce um aspecto fulcral e, por sinal determinante, no seio de toda esta problemática, que é a deficiente capacidade de previsão meteorológica que não permite identificar, com a antecipação desejável, os períodos de grande precipitação.
Por tudo isto duas conclusões podem ser retiradas. Por um lado a afirmação relativamente à visão economicista e sem consideração pelas pessoas das entidades reguladoras destes empreendimentos, referida pelo autarca de Constância, fica um pouco abalada, principalmente com a questão do abastecimento de água às populações da Área Metropolitana de Lisboa, na qual também está integrado o município de Constância. Por outro lado, a inundação das zonas ribeirinhas seria certamente pior caso não existisse a barragem referida, pois o nível de água nestas zonas baixou devido à construção deste empreendimento.
Como minha opinião pessoal em relação a este assunto, posso dizer que concordo com a ideia das descargas graduais, mas é preciso atender que estas nem sempre são passíveis de ser efectuadas e também que nem sempre a água é abundante.
Ficam estas notas para reflexão….

António Aguiar da Costa disse...

Eduardo, o teu comentário é bastante esclarecedor. Efectivamente o desconhecimento de determinadas circunstâncias tornam certas notícias percipitadas e demasiado sensacionalistas. Na realidade, o facto de a EPAL ir buscar àgua a essa barragem, num contexto em que as secas se tornam mais intensas, pode resultar numa necessidade de armazenar o máximo de água possível. Tal como tu dizes, existe o outro lado da medalha, em que uma precipitação intensa pode obrigar a uma descarga no limite da capacidade, e por isso descontrolada.

Eduardo, na tua opinião qual seria a melhor forma de proceder? Ou quais as condições ideais?

Por um lado,se existem necessidades de armazenamento de água até aos limites da capacidade da da barragem é sinal que talvez devesse existir maior capacidade de armazenamento não é?

Anónimo disse...

Não posso indicar uma forma "correcta" de proceder, pois o mais certo é estarem em causa factores adicionais aos que já enumerei e que desconheço.
Todavia, tenho conhecimento da intenção existente por parte da empresa Energias de Portugal (intenção essa que pude comprovar numa conferência recente sobre a problemática das Secas), em que seja definido o chamado volume de reserva estratégico, para cada barragem cuja albufeira se destina a servir mais do que um fim, volume esse que deverá ser garantido em todas as situações e que permitiria à empresa de produção de energia uma estipulação mais concreta do volume que têm disponível, em cada empreendimento, para a produção de energia. Seria então possível efectuar uma melhor planificação dos volumes a explorar, e inclusive prever descargas mais regulares, aproveitando para maximizar a produção de energia.
Quero com isto dizer que cada caso é um caso e deverá ser abordado como tal. Todavia parece claro que, à parte de se poder considerar necessária uma maior capacidade de armazenamento (tudo depende dos volumes que estão em causa para satisfazer as diferentes utilizações e que para este caso desconheço), uma simples clarificação das regras que estão em jogo poderá servir a uma mitigação dos conflitos, tanto para as entidades exploradoras, como para os utilizadores finais e demais população afectada.

António Aguiar da Costa disse...

Eduardo, obrigado pelo esclarecimento.